Saí do consultório médico. Eu estava incrédulo e ao mesmo tempo, inconformado. Como pode ter acontecido isso? Justo comigo? Por que eu? – Pensava a todo instante.
O exame diagnosticara HIV
positivo. No início, pensei tratar-se de apenas mais uma das brincadeiras do
médico, muito amigo meu. Mas seu ar de seriedade dilacerava todas as minhas
esperanças. Durante o percurso para casa, ultrapassei dois sinais vermelhos e
quase atropelei um garoto que vendia doces no semáforo. Não conseguia pensar em
mais nada, apenas no resultado do exame. Tinha então trinta e dois anos, uma
esposa e dois filhos ainda pequenos.
No meio do caminho, mudei de
planos. Dirigi-me à praça mais próxima. Não estava consciente o suficiente para
chegar em casa e encarar minha esposa. Tão linda e sensível, não poderia
imaginar que eu estava com AIDS. Não poderia imaginar minha infidelidade.
Estacionei o carro e sentei-me em
um banco da praça, queria pôs as idéias no lugar. Arrependido era o adjetivo
mais apropriado para mim naquele momento. AIDS, eu estava com AIDS. Era quase
inacreditável aquela realidade. Como eu pude ter sido tão inconseqüente? Como
eu pude me aventurar tanto? Entrei na chuva e me molhei.
Olhei para o lado e vi um casal
sorridente, observando seus dois filhos em uma gangorra. Aquela era uma família
feliz, dava para ver nos olhos de cada um. Nós éramos felizes também, mas nossa
felicidade agora se limitara. Provavelmente eu não veria meus dois anjinhos
chagarem à adolescência e não lhes ensinaria a fazer a barba ou outras coisas
que só “papai” poderia fazer, e isso me partia profundamente o coração.
Provavelmente, minha esposa iria sofrer com o meu problema e se dedicar de
corpo e alma ao meu tratamento, esquecendo-se completamente de si mesma. Iria
pagar pelo que não devia. Iria sofrer as dores que eu merecia sofrer sozinho.
Desejei nunca mais ter que voltar
para casa. Desejei que o tempo parasse para nunca mais ter que sair daquele
banco. Ah, como eu desejei voltar ao passado e consertar tudo, tudo o que não
tinha conserto.
Tomei coragem, levantei-me e
entrei no carro. Estava disposto a falar, a chorar e a pedir perdão. Estava
disposto a encarar o início de um fim.