sábado, 11 de agosto de 2012

Maldito Tempo



- Ainda bem que você veio. Precisava muito falar com você...

Pronto. Aquela frase me soou como o princípio de uma agonia interminável. Senti-me como o Filho do Homem ao ser beijado na face pelo Traidor. Não, eu não estava preparado para pagar pelos pecados da humanidade. Não era exagero, teria que ouvir o que tudo daria para que jamais fosse pronunciado.

- Precisava? Então, estou aqui. Sou todo ouvidos...

Foi a única coisa que eu consegui dizer. Menti. Eu não era todo ouvidos. A vontade que eu tinha era de tapar os ouvidos e cantar tão alto a ponto de não ouvir nem os meus próprios pensamentos, que, por sinal, atropelavam-se cada vez mais confusos em minha cabeça.

Marina não olhava em meus olhos, embora estes a procurassem a cada segundo. Olhava apenas para o chão, como se procurasse as palavras certas para usar. Como se procurasse a arma certa para acertar um alvo.

Permanecemos em silêncio por alguns minutos. Minutos que, para mim, eram uma agonizante e cruel eternidade. Eu sabia que aquilo não estava sendo nada agradável para ela, afinal foram tantos anos... Como que adivinhasse meus pensamentos, por fim conseguiu dizer:

- A gente já tá junto há tanto tempo...

Virei o rosto para o lado e soltei um longo suspiro. Fechei os olhos. Sim, havia muito tempo que estávamos juntos, mas ainda sentia a inexplicável paixão do primeiro dia.

- Oito anos semana que vem.

Eu sabia exatamente há quanto tempo havia encontrado o meu único motivo para existir.

- Oh, você conta?

A admiração me soou tão serena, que por um instante esqueci o que estava prestes a acontecer. Sim, eu contava. E a cada mês que passava era uma felicidade que crescia dentro de mim.

- Conto.

Ainda me esforcei para dizer mais alguma coisa, mas não consegui. Diria o quê? Que contava anos, meses, dias, horas, minutos e segundos que passava ao seu lado? Que chorava e amaldiçoava céus e terras porque o maldito tempo não passava até encontrá-la novamente? Não diria nada. Eu sabia que de nada iria adiantar.

Novamente, o silêncio. Marina corria os olhos pela praça à procura de algo onde pudesse pousar a vista. Eu apenas olhava-a, prestando atenção em cada movimento. Suspirou e, olhando para a grama, disse:

- Sabe, já faz muitos anos, e nós não somos mais aqueles dois adolescentes ingênuos.

Senti uma tristeza invadindo todo o meu ser. Minhas suspeitas se haviam confirmado. Na tentativa inútil de mudar alguma coisa, recordei:

- A gente já viveu tanta coisa junto, né?

Seu rosto adquiriu um olhar de doçura. Ela também recordava tudo o que nós vivêramos: a grande amizade de infância, as brincadeiras de rua, a escola, o primeiro beijo, as viagens, a primeira vez...

Um sorriso brando iluminou sua face, mas logo foi substituído por um olhar de tristeza.

- Mas... Com o tempo, tudo perde o brilho. O entusiasmo aos poucos vai virando rotina.

Rotina?! Tudo o que a gente viveu virou rotina? Os beijos, as conversas noite adentro, os abraços, os amassos, os segredos, os sorrisos... Será que tudo isso virou rotina?!

- Como assim?! Tudo de bom pra você virou rotina? Amor, pra você é tão sem-graça assim?

Eu estava realmente perplexo! Esperava que ela me apresentasse um motivo mais convincente, mas esse? Então, talvez eu ainda tivesse uma chance...

Não é isso! Me entende... O tempo muda tudo, pra melhor e pra pior...

Não havia firmeza em suas palavras, nem em seu olhar, nem em seus gestos desconcertados.

Olhei para ela e recordei-me daquela menina sapeca que tanto me encantava por sempre ter respostas na ponta da língua. E agora ali, mulher, procurando as melhores palavras para o pior momento.

- Você não me ama mais. É isso?

Não sei de onde criei coragem para a pergunta. Não sei se queria ouvir a resposta.

- Desculpa...

Baixou a cabeça e ficou imóvel. Percebi a lenta lágrima deslizando em sua face. Permanecemos assim por um longo tempo, até Marina enxugar os olhos e dar um longo beijo em meu rosto. Não tive coragem de encará-la. Levantou-se, disse “adeus” e se foi.

Fiquei ali, olhando o nada. Precisava saber o que fazer da minha vida dali pra frente. Maldito tempo.