- Ainda
bem que você veio. Precisava muito falar com você...
Pronto.
Aquela frase me soou como o princípio de uma agonia interminável. Senti-me como
o Filho do Homem ao ser beijado na face pelo Traidor. Não, eu não estava preparado
para pagar pelos pecados da humanidade. Não era exagero, teria que ouvir o que
tudo daria para que jamais fosse pronunciado.
- Precisava?
Então, estou aqui. Sou todo ouvidos...
Foi a
única coisa que eu consegui dizer. Menti. Eu não era todo ouvidos. A vontade
que eu tinha era de tapar os ouvidos e cantar tão alto a ponto de não ouvir nem
os meus próprios pensamentos, que, por sinal, atropelavam-se cada vez mais
confusos em minha cabeça.
Marina
não olhava em meus olhos, embora estes a procurassem a cada segundo. Olhava
apenas para o chão, como se procurasse as palavras certas para usar. Como se
procurasse a arma certa para acertar um alvo.
Permanecemos
em silêncio por alguns minutos. Minutos que, para mim, eram uma agonizante e
cruel eternidade. Eu sabia que aquilo não estava sendo nada agradável para ela,
afinal foram tantos anos... Como que adivinhasse meus pensamentos, por fim
conseguiu dizer:
- A gente
já tá junto há tanto tempo...
Virei o
rosto para o lado e soltei um longo suspiro. Fechei os olhos. Sim, havia muito
tempo que estávamos juntos, mas ainda sentia a inexplicável paixão do primeiro
dia.
- Oito
anos semana que vem.
Eu sabia
exatamente há quanto tempo havia encontrado o meu único motivo para existir.
- Oh,
você conta?
A
admiração me soou tão serena, que por um instante esqueci o que estava prestes
a acontecer. Sim, eu contava. E a cada mês que passava era uma felicidade que
crescia dentro de mim.
- Conto.
Ainda me
esforcei para dizer mais alguma coisa, mas não consegui. Diria o quê? Que contava
anos, meses, dias, horas, minutos e segundos que passava ao seu lado? Que
chorava e amaldiçoava céus e terras porque o maldito tempo não passava até
encontrá-la novamente? Não diria nada. Eu sabia que de nada iria adiantar.
Novamente,
o silêncio. Marina corria os olhos pela praça à procura de algo onde pudesse
pousar a vista. Eu apenas olhava-a, prestando atenção em cada movimento.
Suspirou e, olhando para a grama, disse:
- Sabe,
já faz muitos anos, e nós não somos mais aqueles dois adolescentes ingênuos.
Senti uma
tristeza invadindo todo o meu ser. Minhas suspeitas se haviam confirmado. Na
tentativa inútil de mudar alguma coisa, recordei:
- A gente
já viveu tanta coisa junto, né?
Seu rosto
adquiriu um olhar de doçura. Ela também recordava tudo o que nós vivêramos: a
grande amizade de infância, as brincadeiras de rua, a escola, o primeiro beijo,
as viagens, a primeira vez...
Um
sorriso brando iluminou sua face, mas logo foi substituído por um olhar de
tristeza.
- Mas...
Com o tempo, tudo perde o brilho. O entusiasmo aos poucos vai virando rotina.
Rotina?!
Tudo o que a gente viveu virou rotina? Os beijos, as conversas noite adentro,
os abraços, os amassos, os segredos, os sorrisos... Será que tudo isso virou
rotina?!
- Como
assim?! Tudo de bom pra você virou rotina? Amor, pra você é tão sem-graça
assim?
Eu estava
realmente perplexo! Esperava que ela me apresentasse um motivo mais
convincente, mas esse? Então, talvez eu ainda tivesse uma chance...
Não é
isso! Me entende... O tempo muda tudo, pra melhor e pra pior...
Não havia
firmeza em suas palavras, nem em seu olhar, nem em seus gestos desconcertados.
Olhei
para ela e recordei-me daquela menina sapeca que tanto me encantava por sempre
ter respostas na ponta da língua. E agora ali, mulher, procurando as melhores
palavras para o pior momento.
- Você
não me ama mais. É isso?
Não sei
de onde criei coragem para a pergunta. Não sei se queria ouvir a resposta.
- Desculpa...
Baixou a
cabeça e ficou imóvel. Percebi a lenta lágrima deslizando em sua face.
Permanecemos assim por um longo tempo, até Marina enxugar os olhos e dar um
longo beijo em meu rosto. Não tive coragem de encará-la. Levantou-se, disse
“adeus” e se foi.
Fiquei
ali, olhando o nada. Precisava saber o que fazer da minha vida dali pra frente.
Maldito tempo.
A pergunta do mal! xD
ResponderExcluirTá massa!
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